A vida meditativa do Buddha e o louvor pela quietude e contentamento
CAPÍTULO 1 - A VIDA DO BUDDHA HISTÓRICO
A vida meditativa do Buddha e o louvor pela quietude e pelo contentamento
Vi.46 Meditando sozinho
Nesta passagem, um brāhmaṇa ouviu de alguns de seus jovens estudantes que, enquanto reuniam madeira, viram um renunciante (o Buddha) meditando em um matagal próximo. Ele, então, vai até lá e se dirige ao Buddha em verso.
“Tendo entrado na floresta vazia e desolada, nas profundezas da mata, onde muitos terrores se escondem, com um corpo imóvel, firme, adorável, como você medita, ó monge, tão lindamente!
Na floresta, onde não há canções ou sons musicais, um sábio solitário recorreu às florestas! Isto me parece uma maravilha que você viva com a mente alegre, sozinho na floresta.
Suponho que você deseje o triplo céu supremo, a companhia do divino senhor do mundo; portanto você recorre à floresta desolada: você pratica a penitência aqui para alcançar Brahmā”.
(O Buddha:) “Quaisquer que sejam os muitos desejos e deleites que estão sempre ligados aos múltiplos elementos, os anseios surgiram da raiz que é desconhecida: Tudo isso eu demoli junto com sua raiz.
Não tenho desejos, estou sem apegos, solto; minha visão de todas as coisas foi purificada. Ó brāhmaṇa, tendo alcançado o auspicioso, supremo despertar, autoconfiante, medito sozinho”.
Kaṭṭhahāra Sutta: Saṃyutta Nikāya I.180–181 <389–390>, trad. G.A.S.
Vi.47 Discípulos calmamente atentos
Nesta passagem, um andarilho não-buddhista, que tem discípulos barulhentos e tagarelas, recebe o Buddha e lhe repete que ele ouviu que, enquanto outros professores perdem discípulos que são seus críticos, os discípulos do Buddha estão calmamente atentos, e até mesmo se voltarem à vida laica, permanecem respeitosos em relação ao Buddha, praticando e elogiando qualidades tais como o contentamento.
Então, o Bem-Aventurado foi para o Santuário dos Pavões, o Parque dos Andarilhos. Agora, naquela ocasião, o andarilho Sakuludāyin estava sentado com uma grande assembleia de andarilhos que faziam um alvoroço, falando alto e ruidosamente, com muitos tipos de conversa inútil, tais como conversas sobre reis, ladrões, ministros, exércitos, perigos, batalhas, comida, bebida, roupas, camas, guirlandas, perfumes, parentes, veículos, aldeias, vilas, cidades, países, mulheres, heróis, ruas, poços, os mortos, ninharias, a origem do mundo, a origem do mar, se as coisas são assim ou não são assim.
Então, o andarilho Sakuludāyin viu o Bem-Aventurado vindo à distância. Vendo-o vir de longe, ele solicitou que sua própria assembleia se tornasse tranquila, assim: “Senhores, fiquem quietos; senhores, não façam barulho. Aí vem o renunciante Gotama. Este Venerável gosta de silêncio e elogia o silêncio. Talvez se ele encontrar a nossa assembleia em silêncio, ele pensará em se juntar a nós”. Então, os andarilhos ficaram em silêncio.
O Bem-Aventurado foi ao andarilho Sakuludāyin, que lhe disse: “Que venha o venerável! Bem-vindo ao venerável! Faz muito tempo que o venerável encontrou a oportunidade de vir aqui. Que o venerável se sente; este assento está pronto”. O Bem-Aventurado se sentou no assento preparado, e o andarilho Sakuludāyin tomou um assento mais baixo e se sentou de um lado. Depois de assim ter feito, o Bem-Aventurado lhe perguntou: “Udāyin, para qual discussão estão agora aqui sentados reunidos? E qual foi a discussão que foi interrompida?”
“Venerável senhor, esqueça a discussão para a qual estamos agora aqui sentados reunidos. O Bem-Aventurado pode muito bem ouvir isso mais tarde. Venerável senhor, nos últimos dias, quando renunciantes e brāhmaṇas de várias seitas se reuniram e sentaram juntos na sala de debates, este tema surgiu: “É um ganho para o povo de Aṅga e Magadha que estes renunciantes e brāhmaṇas, chefes de ordens, chefes de grupos, professores de grupos, conhecidos e famosos fundadores de seitas consideradas por muitos como santos, tenham de passar a estação chuvosa em Rājagaha … [Vários líderes de seitas são mencionados pelo nome, e então é dito que muitos de seus discípulos tinham os abandonado depois de criticá-los.]
E alguns disseram isto: “Esse renunciante Gotama é o chefe de uma ordem, o chefe de um grupo, o professor de um grupo, o conhecido e famoso fundador de uma seita considerada por muitos como um santo. Ele é honrado, respeitado, reverenciado e venerado por seus discípulos, e seus discípulos vivem na dependência dele, honrando-o e respeitando-o. Certa vez, o renunciante Gotama ensinava seu Dhamma a uma assembleia de várias centenas de seguidores e lá um certo discípulo seu limpou sua garganta. Então, um de seus companheiros na vida santa o tocou com o joelho para indicar: “Venerável, cala-te, não faças barulho; o Bem-Aventurado, o professor, nos ensina o Dhamma”.
Quando o renunciante Gotama está ensinando o Dhamma a uma assembleia de várias centenas de seguidores, em tal ocasião não há som de seus discípulos tossindo ou limpando suas gargantas. Pois tal grande assembleia está em prontidão na expectativa: “Ouçamos o Dhamma que o Bem-Aventurado está prestes a ensinar”. Assim como se um homem estivesse em uma encruzilhada retirando mel puro e um grande grupo de pessoas estivesse em prontidão na expectativa, assim também, quando o renunciante Gotama está ensinando o Dhamma a uma assembleia de várias centenas de seguidores, naquela ocasião não há som de seus discípulos tossindo ou limpando suas gargantas. Pois tal grande assembleia está em prontidão na expectativa: “Ouçamos o Dhamma que o Bem-Aventurado está prestes a ensinar”.
E mesmo aqueles seus discípulos que deixam seus companheiros na vida santa e abandonam o treinamento para voltar à vida inferior, até eles louvam o Bem-Aventurado e o Dhamma e a comunidade; eles se culpam em vez de aos outros, dizendo: “Tivemos azar, temos pouco karma benéfico; pois embora tenhamos seguido para a vida sem lar em um Dhamma tão bem proclamado, fomos incapazes de viver a vida santa perfeita e pura para o resto de nossas vidas”. Tendo se tornado assistentes do mosteiro ou seguidores laicos, eles se comprometem a observar os cinco preceitos 1. Assim, o renunciante Gotama é honrado, respeitado, reverenciado e venerado por seus discípulos, e seus discípulos vivem em dependência dele, honrando-o e respeitando-o”.
“Udāyin, quantas qualidades você vê em mim por causa das quais meus discípulos me honram, respeitam, reverenciam e veneram, e vivem na dependência de mim, honrando e respeitando-me?”
“Venerável senhor, vejo cinco qualidades no Bem-Aventurado por causa das quais os seus discípulos o honram, respeitam, reverenciam e veneram, e vivem em dependência dele, honrando-o e respeitando-o. Quais são os cinco? Venerável senhor, o Bem-Aventurado come pouco e recomenda comer pouco; isso eu vejo como a primeira qualidade do Bem-Aventurado por causa da qual os seus discípulos o honram, respeitam, reverenciam e veneram, e vivem na dependência dele, honrando-o e respeitando-o. Venerável senhor, o Bem-Aventurado está satisfeito com qualquer tipo de manto e louva o contentamento com qualquer tipo de manto … o Bem-Aventurado está satisfeito com qualquer tipo de doação de alimento e louva o contentamento com qualquer tipo de doação de alimento … o Bem-Aventurado está satisfeito com qualquer tipo de lugar de descanso e louva o contentamento com qualquer tipo de lugar de descanso … o Bem-Aventurado vive afastado e louva o afastamento … Venerável senhor, essas são as cinco qualidades que vejo no Bem-Aventurado por causa das quais seus discípulos o honram, respeitam, reverenciam e veneram, e vivem na dependência dele, honrando e respeitando-o.
Mahā-sakuludāyi Sutta: Majjhima Nikāya II.1–7, trad. G.A.S.
Vi.48 Atraindo a ajuda de um elefante que também buscou a solidão
Esta passagem vem em um momento em que o Buddha havia ido para a floresta para ter alguma solidão, depois de ter presenciado algumas brigas e disputas em Kosambī. Ele recebe ajuda de um elefante-touro que também buscava a solidão.
Caminhando em etapas, no devido tempo o Bem-Aventurado chegou a Pārileyya, e ficou lá no Bosque da Floresta Protegida, na raiz de uma adorável árvore sāl. Então, quando o Bem-Aventurado meditava em particular, um raciocínio surgiu em sua mente: “Anteriormente, assediado por aqueles monges de Kosambī, criadores de conflitos, criadores de brigas … eu não vivia confortavelmente; mas agora que estou sozinho sem alguém, vivo confortavelmente afastado daqueles monges …”
Agora, um certo elefante-touro era assediado por elefantes e elefantes-bois, por elefantes-bezerros e elefantes pequenos; ele comeu grama já cortada por eles, e eles comeram feixes de galhos enquanto ele os quebrava; e ele bebeu água enlameada e quando ele atravessou um vau, os elefantes-bois empurravam seu corpo enquanto passavam. Então ocorreu àquele grande elefante-touro: “Agora estou vivendo assediado por elefantes e elefantes-bois … Suponha que eu vivesse sozinho, afastado da multidão?”
Então, o grande elefante-touro, deixando o rebanho, aproximou-se de Pārileyya, do Bosque da Floresta Protegida, da adorável árvore sāl e do Bem-Aventurado; tendo se aproximado, por meio de sua tromba, ele ofereceu água potável para o Bem-Aventurado e água para se lavar, e ele manteve a grama abaixada. Então ocorreu ao grande elefante-touro: “Agora, antigamente, eu estava cercado por elefantes e elefantes-bois … ; mas agora que estou sozinho sem alguém, vivo confortavelmente …”
Mahāvagga X.4.6–7: Vinaya I.352 –353, trad. P.H.
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Da ética laica: ver Th.110. ↩︎