O Buddha como professor
CAPÍTULO 1 - A VIDA DO BUDDHA HISTÓRICO
O Buddha como professor
Vi.25 Decisão de ensinar
Nesta passagem, o Buddha hesita em ensinar o Dhamma, pois ele pensa que ninguém mais será capaz de entender sua profundidade. No entanto, a pedido de Brahmā Sahampati (sobre ele, veja Vi.19), ele decide ensinar depois de ter visto que há alguns que entenderão.
Em certa ocasião, o Bem-Aventurado residia em Uruvelā, no rio Nerañjarā, ao pé da árvore banyan dos pastores de cabras, tendo acabado de realizar o completo despertar. Então, enquanto estava sozinho e isolado, o Bem-Aventurado considerou: “Este Dhamma que atingi é profundo, difícil de ver e difícil de entender, pacífico, sublime, inatingível por mero raciocínio, sutil, para ser experimentado pelos sábios. Mas essa população se deleita em se apegar, gosta de se apegar e se alegra em se apegar. É difícil para uma população assim ver este estado, a saber, a condicionalidade específica, o surgimento dependente 1. E é difícil ver este estado, a saber, o aquietamento de todas as atividades volitivas, a renúncia de todas as aquisições, a destruição do desejo sedento, não-apego, cessação, nirvāṇa. Se eu ensinasse o Dhamma, outros não me entenderiam, e isso seria cansativo e dificultoso para mim”.
Assim, quando o Bem-Aventurado considerava, sua mente inclinou-se para a inação, para não ensinar o Dhamma. Depois disso, veio ao Bem-Aventurado espontaneamente estes versos nunca antes ouvidos:
Qual é o sentido de tentar ensinar o Dhamma que até eu achei difícil de alcançar? — Pois não é facilmente compreendido por aqueles que vivem na paixão e no ódio.
Aqueles tingidos pela paixão, envoltos na escuridão, nunca discernirão aquilo que vai contra a correnteza mundana, refinado, profundo, difícil de ver e sutil.
Considerando assim, a mente do Bem-Aventurado inclinou-se à inação ao invés de ensinar o Dhamma.
Então, Brahmā Sahampati soube com sua mente o pensamento na mente do Bem-Aventurado e considerou: “O mundo ficará perdido; o mundo perecerá; uma vez que a mente do Tathāgata, o arahant, o Buddha perfeitamente desperto, inclina-se para a inação ao invés de ensinar o Dhamma”.
Então, tão rapidamente quanto um homem forte poderia estender seu braço dobrado ou dobrar seu braço estendido, Brahmā Sahampati desapareceu do mundo de Brahmā e apareceu diante do Bem-Aventurado. Brahmā Sahampati, colocando seu manto superior em um ombro, e estendendo suas mãos em saudação reverencial para o Bem-Aventurado, disse: “Venerável senhor, que o Bem-Aventurado ensine o Dhamma, que o Afortunado ensine o Dhamma. Há seres com pouca poeira nos olhos que perecerão se não ouvirem o Dhamma. Haverá aqueles que entenderão o Dhamma”.
Brahmā Sahampati falou assim, e então ele disse mais:
Em Magadha surgiram até agora ensinamentos impuros concebidos por aqueles ainda manchados. Abra as portas para a não-morte! Deixe que ouçam o Dhamma que o puro encontrou.
Assim como aquele que está no pico de uma montanha pode ver abaixo as pessoas ao redor, assim, ó sabedor, sábio que tudo vê, ascenda ao palácio do Dhamma. Que aquele sem tristeza investigue esta raça humana, imersa na tristeza, vencida pelo nascimento e pela velhice.
Levante-se, herói vitorioso, líder da caravana, sem dívidas, e vagueie pelo mundo. Que o Bem-Aventurado ensine o Dhamma, haverá aqueles que entenderão.
Então, o Bem-Aventurado ouviu a súplica de Brahmā, e por compaixão pelos seres, ele investigou o mundo com os olhos do desperto. Olhando o mundo com os olhos do desperto, ele viu: seres com pouca poeira nos olhos, seres com muita poeira nos olhos; seres com faculdades agudas, seres com faculdades entorpecidas; seres com boas qualidades, seres com más qualidades; seres fáceis de ensinar; seres difíceis de ensinar; e alguns que habitam vendo o medo na culpa e no próximo mundo.
Assim como em um lago de lótus azul, vermelho ou branco: alguns lótus que nascem e crescem na água prosperam imersos na água sem sair dela; outros lótus que nascem e crescem na água repousam sobre a superfície da água; e outros lótus que nascem e crescem na água surgem da água e permanecem claros, sem ser molhados por ela — assim também, examinando o mundo com os olhos do desperto, o Bem-Aventurado viu: seres com pouca poeira nos olhos, seres com muita poeira nos olhos; seres com faculdades agudas; seres com faculdades entorpecidas; seres com boas qualidades, seres com más qualidades; seres fáceis e difíceis de ensinar, e alguns que vivem vendo medo na culpa e no próximo mundo.
Em seguida, ele respondeu a Brahmā Sahampati em um verso:
Aberto para eles estão as portas da não-morte, que aqueles com ouvidos agora libertem sua fé. Ó Brahmā, pensando que seria dificultoso, eu não proferi o Dhamma sutil e sublime.
Então Brahmā Sahampati, pensando que o Bem-Aventurado havia consentido em seu pedido de ensinar o Dhamma, partiu imediatamente, depois de prestar homenagem ao Bem-Aventurado, mantendo-o à direita.
Ariya-pariyesana Sutta: Majjhima Nikāya I.167–169, trad. G.A.S.
Vi.26 O primeiro a receber o ensinamento do Buddha
Nesta passagem, o Buddha pensa que as melhores pessoas para ele primeiro ensinar são as duas pessoas que o ensinaram a alcançar as esferas do nada e da nem-percepção-nem-não-percepção, Āḷāra Kālāma e Uddaka, o filho de Rāma (ver Vi.10 e 11). Quando deidades lhe contaram sobre suas mortes recentes, que ele então confirmou por meio de seus poderes meditativos, ele então pensou nos cinco com os quais ele já havia praticado ascetismo. No caminho para ensiná-los, ele conheceu um asceta fatalista que não ficou impressionado com suas reivindicações do despertar. Ao aproximar-se dos cinco ascetas, eles inicialmente resolveram desprezá-lo, devido ao seu abandono do ascetismo, mas sua repetida afirmação de sua realização mostrou-lhes que uma mudança havia ocorrido nele, e então aceitaram seu ensinamento, até que eles também alcançaram o despertar.
Monges, eu considerei assim: “A quem devo primeiro ensinar o Dhamma? Quem entenderá o Dhamma rapidamente?” Monges, então eu considerei: Āḷāra Kālāma é sábio, inteligente e sabe discernir; ele tem pouca poeira em seus olhos. Suponha que eu ensine o Dhamma primeiro a Āḷāra Kālāma. Ele o entenderá rapidamente”. Monges, então, as deidades se aproximaram de mim e disseram: “Venerável senhor, Āḷāra Kālāma morreu há sete dias”. E o conhecimento e o visão surgiram em mim: Āḷāra Kālāma morreu há sete dias. Monges, eu considerei: “Āḷāra Kālāma era alguém que sabia discernir muito bem. Se ele tivesse ouvido este Dhamma, ele teria entendido rapidamente”.
Monges, eu considerei assim: “A quem devo primeiro ensinar o Dhamma? Quem entenderá o Dhamma rapidamente?” Monges, então eu considerei: “Uddaka, o filho de Rāma, é sábio, inteligente e sabe discernir; ele tem pouca poeira em seus olhos. Suponha que eu ensine o Dhamma primeiro a Uddaka, o filho de Rāma. Ele o entenderá rapidamente”. Monges, então, as deidades se aproximaram de mim e disseram: “Venerável senhor, Uddaka, o filho de Rāma, morreu ontem à noite”. E o o conhecimento e o visão surgiram em mim: Uddaka, o filho de Rāma, morreu ontem à noite. Monges, eu considerei: “Uddaka, o filho de Rāma, era alguém que sabia discernir muito bem. Se ele tivesse ouvido este Dhamma, ele teria entendido rapidamente”.
Monges, eu considerei assim: “A quem devo primeiro ensinar o Dhamma? Quem entenderá o Dhamma rapidamente?” Monges, então, eu considerei: “Os monges do grupo dos cinco que cuidaram de mim enquanto eu estava envolvido em meus esforços foram muito úteis. Suponha que eu ensine o Dhamma primeiro a eles.
Monges, então, eu pensei: “Onde estão agora vivendo os monges do grupo dos cinco?” Monges, com o olho divino, que é purificado e supera o humano, eu vi o grupo dos cinco vivendo em Varanasi, no Parque dos Cervos em Isipatana. Monges, então, quando eu havia ficado em Uruvelā o tempo que escolhi, coloquei-me a andar por etapas até Varanasi.
Monges, o Ājīvaka Upaka me viu andando na estrada entre a árvore Bodhi e Gayā. Ele falou a mim: “Amigo, suas faculdades sensoriais são claras; a cor de sua pele é pura e brilhante. Amigo, sob quem você foi da vida no lar para a vida sem lar? Ou quem é seu professor? Ou de quem é o Dhamma que você professa?” Monges, falando assim, eu respondi ao Ājīvaka Upaka em versos:
“Eu sou aquele que transcendeu tudo, um conhecedor de tudo, imaculado entre todas as coisas, renunciando a tudo, liberto pela cessação do desejo sedento. Tendo conhecido tudo isso por mim mesmo, a quem devo apontar como professor?
Eu não tenho mestre; não há ninguém como eu; no mundo com suas deidades, não há contraparte.
De fato, sou o arahant no mundo; sou o mestre supremo. Sou o único Buddha perfeitamente desperto; sou alguém cujos fogos foram arrefecidos e extintos.
Vou agora à cidade de Kāsi a fim de colocar em movimento a roda do Dhamma. Num mundo que se tornou cego, baterei o tambor da não-morte”.
(Upaka:) “Amigo, como você diz, você deve ser o vitorioso infinito”.
(Buddha:) Os vitoriosos são aqueles que como eu conquistaram a destruição das inclinações intoxicantes. Derrotei todos os estados malignos; portanto, Upaka, sou um vitorioso”.
Monges, quando isso foi dito, o Ājīvaka Upaka, dizendo “Amigo, que assim seja”, balançou a cabeça, e tomou outro caminho, partindo.
Monges, em seguida, vagando por etapas, eventualmente cheguei em Varanasi, no Parque dos Cervos em Isipatana, e me aproximei dos monges do grupo dos cinco. Monges, os monges do grupo dos cinco, me vendo ao longe, concordaram entre eles: “Amigo, aí vem o renunciante Gotama que vive luxuosamente, que desistiu de sua luta e retornou ao luxo. Não devemos prestar homenagem a ele ou nos levantar para ele ou receber sua tigela e manto. Mas um assento pode ser preparado para que, se ele quiser, ele possa se sentar”. Monges, no entanto, quando me aproximei, os monges do grupo dos cinco se viram incapazes de manter o seu pacto. Alguns vieram ao meu encontro e levaram a minha tigela e o meu manto; alguns prepararam um assento; alguns trouxeram água para os meus pés; no entanto, eles se dirigiram a mim pelo nome e como “amigo”.
Monges, então eu disse aos monges do grupo dos cinco: “Monges, não se dirijam ao Tathāgata pelo nome e como ‘amigo’. O Tathāgata é o arahant, o Buddha perfeitamente desperto. Monges, escutem, a não-morte foi alcançada! Instruirei e ensinarei o Dhamma a vocês. Praticando como forem instruídos, realizando isso por vocês mesmos aqui e agora por meio do conhecimento superior 2, logo entrarão e permanecerão em tal objetivo supremo da vida santa, pelo bem do qual os homens de clãs corretamente saem da vida no lar para a vida sem lar”.
Monges, quando isso foi dito, os monges do grupo dos cinco me disseram: “Amigo Gotama, pela conduta, pela prática e pelas austeridades que você empreendeu, você não alcançou nenhuma distinção sobre-humana em termos de conhecimento e visão dignos dos nobres. Uma vez que você vive luxuosamente, tendo desistido de sua luta e retornado ao luxo, como você poderia ter alcançado qualquer distinção sobre-humana em termos de conhecimento e visão dignos dos nobres?”
Monges, quando isso foi dito, eu disse aos monges do grupo dos cinco: “Monges, o Tathāgata não vive luxuosamente, nem desistiu de sua luta e retornou ao luxo. O Tathāgata é um arahant, um Buddha perfeitamente desperto. Monges, escutem, a não-morte foi alcançada! Instruirei e ensinarei o Dhamma a vocês. Praticando como forem instruídos, realizando isso por vocês mesmos aqui e agora por meio do conhecimento superior, logo entrarão e permanecerão em tal objetivo supremo da vida santa, pelo bem do qual os homens de clãs corretamente saem da vida no lar para a vida sem lar”.
Monges, uma segunda vez os monges do grupo dos cinco me disseram: “Amigo Gotama… como você poderia ter alcançado qualquer distinção sobre-humana em termos de conhecimento e visão dignos dos nobres?” Monges, quando isso foi dito, pela segunda vez também eu disse aos monges do grupo dos cinco: “Monges, o Tathāgata não vive luxuosamente… Instruirei … logo entrarão e permanecerão em tal objetivo supremo …”
Monges, uma terceira vez os monges do grupo dos cinco me disseram: “Amigo Gotama… como você poderia ter alcançado qualquer distinção sobre-humana em termos de conhecimento e visão dignos dos nobres?” Monges, quando isso foi dito, perguntei aos monges do grupo dos cinco: “Monges, já me viram insistir desta maneira anteriormente?” “Não, venerável senhor”. “Monges, o Tathāgata é um arahant, um Buddha perfeitamente desperto. Monges, escutem, a não-morte foi alcançada! Instruirei e ensinarei o Dhamma a vocês. Praticando como forem instruídos, realizando isso por vocês mesmos aqui e agora por meio do conhecimento superior, logo entrarão e permanecerão em tal objetivo supremo da vida santa, pelo bem do qual os homens de clãs corretamente saem da vida no lar para a vida sem lar”.
Monges, fui capaz de convencer os monges do grupo dos cinco. Monges, então, por vezes instruía dois monges enquanto os outros três iam coletar o alimento, e nós seis vivíamos com o que aqueles três monges trouxeram de volta de sua coleta de alimento. Monges, por vezes instruía três monges enquanto os outros dois iam coletar o alimento, e nós seis vivíamos com o que aqueles dois monges trouxeram de volta de sua coleta o alimento.
Monges, então os monges do grupo dos cinco, assim ensinados e instruídos por mim, sendo eles mesmos sujeitos ao nascimento, tendo entendido o perigo no que está sujeito ao nascimento, buscando a segurança suprema em relação à escravidão, nirvāṇa, alcançaram a segurança suprema em relação à escravidão, nirvāṇa. Eles, sendo eles mesmos sujeitos ao envelhecimento, compreendendo o perigo no que está sujeito ao envelhecimento, buscando a segurança suprema que não envelhece em relação à escravidão, nirvāṇa, alcançaram a segurança suprema que não envelhece em relação à escravidão, nirvāṇa. Eles, sendo eles mesmos sujeitos à doença … alcançaram a segurança suprema que não adoece em relação à escravidão, nirvāṇa. Eles, sendo eles mesmos sujeitos à morte … alcançaram a segurança suprema que não morre em relação à escravidão, nirvāṇa. Eles, sendo eles mesmos sujeitos à tristeza … alcançaram a segurança suprema sem tristeza em relação à escravidão, nirvāṇa. Eles, sendo eles mesmos sujeitos à impurezas … alcançaram a segurança suprema imaculada em relação à escravidão, nirvāṇa.
O conhecimento e a visão surgiram nos monges do grupo dos cinco: “Nossa libertação é inabalável; este é nosso último nascimento; agora não há mais renovação de ser”.
Ariya-pariyesana Sutta: Majjhima Nikāya I.167–173, trad. G.A.S.
Vi.27 O primeiro discurso: A Colocação em Movimento da Roda do Dhamma
Esta passagem é o famoso primeiro discurso do Buddha. Introduz o caminho buddhista como um “caminho do meio” entre os extremos da indulgência sensorial e ascetismo extremo, e, em seguida, foca em 1) vários aspectos da vida que implicam dor mental ou física, de modo a ser “o doloroso” (dukkha - como explicado mais plenamente nas passagens Th.150-152); 2) como estes surgem de desejo sedento, ou desejos exigentes; e 3) cessam com o fim do desejo sedento; que é 4) alcançado pela prática do nobre caminho óctuplo. No final deste ensinamento, um daqueles da audiência do Buddha ganha uma realização experiencial baseada nisso: ele ganha a “visão do Dhamma” ou “Olho do Dhamma”, uma visão direta do padrão da realidade (dhamma) que tudo o que surge cessará com o tempo. Em particular, os fenômenos dolorosos que surgem do desejo sedento cessarão quando o desejo sedento terminar. A obtenção do Olho do Dhamma marca o atingimento de pelo menos a entrada-na-correnteza: tornar-se o tipo de pessoa espiritualmente enobrecida (nobre) que alcançará o pleno despertar em um máximo de mais sete vidas. Os nobres são aqueles com profundo insight espiritual, de modo a serem parcial ou totalmente despertos/iluminados (ver Th.201). Para eles, as verdades mais significativas, no sentido dos aspectos da realidade, são fenômenos dolorosos, o que os causam, a transcendência do que é doloroso e o caminho para isso; essas são as quatro “Verdades dos Nobres” 3. O discurso termina com notícias sobre o “giro da roda do Dhamma” do Buddha, transmitindo insights sobre o Dhamma, espalhando-se para os vários tipos de deidades.
E qual, monges, é esse caminho do meio para o qual o Tathāgata despertou, que dá origem à visão, que dá origem ao conhecimento, que leva à paz, ao conhecimento superior, ao pleno despertar, ao nirvana? É apenas este nobre caminho óctuplo, isto é, perspectiva correta, resolução correta, fala correta, ação correta, meios de vida corretos, esforço certo, vigilância correta, concentração meditativa correta. Isso, monges, é aquele caminho do meio para o qual Tathāgata despertou, que dá origem à visão, que dá origem ao conhecimento, que leva à paz, ao conhecimento superior, ao pleno despertar, ao nirvana.
Agora esta, monges, é a Verdade dos Nobres que é o doloroso: o nascimento é doloroso, o envelhecimento é doloroso, a doença é dolorosa, a morte é dolorosa; a tristeza, a lamentação, a dor (física), a infelicidade e a angústia são dolorosos; a união com o que não se gosta é dolorosa; a separação do que se gosta é dolorosa; não obter o que se quer é doloroso; em suma, as cinco categorias de existência às quais há apego 4 são dolorosos.
Agora esta, monges, é a Verdade dos Nobres que é a origem do doloroso. É este desejo sedento que leva à existência repetida, acompanhada de deleite e apego, buscando o deleite agora aqui, agora ali; isto é, o desejo sedento pelos prazeres sensoriais, o desejo sedento de ser (algo), o desejo sedento pela inexistência (de algo).
Agora esta, monges, é a Verdade dos Nobres que é a cessação do doloroso. É o desvanecimento sem resíduo e a cessação daquele mesmo desejo sedento, a desistência e a renúncia a ele, a liberdade em relação a ele, a não dependência a ele 5.
Agora esta, monges, é a Verdade dos Nobres que é o caminho que conduz à cessação do doloroso. É este nobre caminho óctuplos, isto é, perspectiva correta, resolução correta, fala correta, ação correta, meios de vida corretos, esforço certo, vigilância correta, concentração meditativa correta.
“Esta é a Verdade dos Nobres que é a dolorosa”: em mim, monges, em relação às coisas nunca ouvidas anteriormente, surgiu visão, conhecimento, sabedoria, insight e luz. A este respeito, “Esta - a Verdade dos Nobres que é o doloroso - deve ser totalmente compreendida”: em mim, monges, em relação às coisas nunca ouvidas anteriormente, surgiu visão, conhecimento, sabedoria, insight e luz. A este respeito, “Esta - a Verdade dos Nobres que é dolorosa - foi totalmente compreendida”: em mim, monges, em relação às coisas nunca ouvidas anteriormente, surgiu visão, conhecimento, sabedoria, insight e luz.
(Igualmente) em mim, monges, em relação às coisas nunca ouvidas anteriormente, surgiu visão, conhecimento, sabedoria, insight e luz, com respeito a: “Esta é a Verdade dos Nobres que é a origem do doloroso”, “Esta - a Verdade dos Nobres que é a origem do doloroso - deve ser abandonada”, e “Esta - A Verdade dos Nobres, que é a origem do doloroso, foi abandonada”.
(Igualmente) em mim, monges, em relação às coisas nunca ouvidas anteriormente, surgiu visão, conhecimento, sabedoria, insight e luz, com respeito a: “Esta é a Verdade dos Nobres que é a cessação do doloroso”, “Esta - a Verdade dos Nobres que é a cessação do doloroso - é para ser experienciada pessoalmente” e “Esta - a Verdade dos Nobres que é a cessação do doloroso - foi experienciada pessoalmente”.
(Igualmente) em mim, monges, em relação às coisas nunca ouvidas anteriormente, surgiu visão, conhecimento, sabedoria, insight e luz, com respeito a: “Esta é a Verdade dos Nobres que é o caminho que conduz à cessação do doloroso”, “Esta - a Verdade dos Nobres que é o caminho que conduz à cessação do doloroso - deve ser desenvolvido”, e “Esta é a Verdade dos Nobres que é o caminho que conduz à cessação do doloroso - foi desenvolvida”.
Enquanto, monges, que meu conhecimento e visão dessas quatro Verdades dos Nobres, como elas realmente são em suas três fases (cada uma) e doze modos (ao todo) não estavam completamente purificados dessa maneira, então, nesse período, no mundo com suas deidades, māras e brahmās, com seus povos, renunciantes, brāhmaṇas, reis e massas, eu não declarava ser totalmente desperto para o insuperável perfeito despertar. Mas quando, monges, meu conhecimento e visão dessas quatro Verdades dos Nobres, como elas realmente são em suas três fases e doze modos, foram completamente purificados dessa maneira, então, no mundo com suas deidades, māras e brahmās, com seus povos, renunciantes, brāhmaṇas, reis e massas, eu declarei ser totalmente desperto para o insuperável perfeito despertar. O conhecimento e a visão surgiram em mim: “Inabalável é a libertação de minha mente; este é o meu último nascimento: agora não há mais repetição do nascimento”.
Isso é o que o Bem-Aventurado disse. Muito felizes, os monges do grupo dos cinco se deleitaram com a declaração do Bem-Aventurado. E enquanto essa explicação estava sendo falada, surgiu no Venerável Koṇḍañña a visão livre de poeira e imaculada do Dhamma: “seja o que for que esteja sujeito à originação, tudo isso está sujeito à cessação”.
E quando a roda do Dhamma foi colocada em movimento pelo Bem-Aventurado, as deidades que habitam a terra levantaram um grito: “Em Varanasi, no Parque dos Cervos em Isipatana, a insuperável roda do Dhamma foi colocada em movimento pelo Bem-Aventurado, que não pode ser detida por qualquer renunciante, brāhmaṇa, māra ou brahmā ou por qualquer um no mundo”. Tendo ouvido o grito das deidades que habitam a terra, as deidades dos Quatro Grandes Reis levantaram o mesmo grito. Tendo ouvido isso, aos Trinta e três deidades deram prosseguimento, depois as deidades Yāma, depois as deidades Contentes, depois as deidades que se Deliciam na Criação, depois as deidades que são Mestres das Criações de Outros e, em seguida, as deidades do grupo de brahmā.
Assim, naquele momento, naquele instante, naquele segundo, o grito se espalhou até o mundo de brahmā, e estes dez mil sistemas mundiais tremeram, balançaram e estremeceram, e um brilho glorioso imensurável apareceu no mundo, superando a majestade divina das deidades.
Então o Bem-Aventurado pronunciou esta frase inspiradora: “O honorável Koṇḍañña de fato entendeu! O honorável Koṇḍañña de fato entendeu! Desta maneira, o Venerável Koṇḍañña adquiriu o nome de Aññāta (Aquele que Entendeu)-Koṇḍañña.
Dhamma-cakka-ppavattana Sutta: Saṃyutta Nikāya V.420–424, trad. P.H.
Vi.28 Professor do Dhamma
Grande rei, um Tathāgata surge no mundo, um Buddha, um arahant, um perfeitamente desperto, dotado de conhecimento e conduta, Afortunado, conhecedor dos mundos, incomparável treinador de pessoas a serem domadas, mestre de deidades e humanos, o desperto, Bem-Aventurado. Ele, tendo realizado isso por seu próprio conhecimento superior, proclama este mundo com suas deidades, māras e brahmās, com seus povos, renunciantes, brāhmaṇas, reis e massas. Ele ensina o Dhamma, que é bom em seu início, bom em seu meio, bom em sua culminação, com o correto significado e fraseado. Ele revela a vida santa perfeitamente completa e purificada.
Sāmañña-phala Sutta: Dīgha Nikāya I.62, trad. G.A.S.
Vi.29 Enviando sessenta discípulos despertos para ensinar o Dhamma
Esta passagem descreve como o Buddha, tendo reunido sessenta discípulos despertos que eram arahants como ele, os envia para ensinar compassivamente o Dhamma aos outros.
Naquela época, havia sessenta e um arahants no mundo.
O Bem-Aventurado disse o seguinte: “Monges, estou livre de todas as armadilhas, tanto celestiais como humanas. Monges, vocês também estão livres de todas as armadilhas, celestiais e humanas. Monges, caminhem pelo bem-estar de muitos, pela felicidade de muitos, por compaixão pelo mundo, pelo bem, bem-estar e felicidade de deidades e humanos. Que dois não sigam pelo mesmo caminho.
Monges, ensinem o Dhamma que é bom em seu início, bom em seu meio, bom em sua culminação, com o correto significado e fraseado. Revelem a vida santa perfeitamente completa e purificada. Há seres com pouca poeira nos olhos, que decairão se não ouvirem o Dhamma. Haverá aqueles que entenderão o Dhamma.
Monges, eu também seguirei para Senānigama, em Uruvelā, para ensinar o Dhamma.
Mahāvagga I.10–11: Vinaya I.20–21, trad. G.A.S.
Vi.30 Garantir que um homem não estivesse com fome a ponto de não entender o Dhamma
Esta passagem ilustra a maneira compassiva como o Buddha ensinou.
Um dia, quando o professor estava sentado na Câmara Perfumada no Bosque de Jeta, examinando o mundo ao amanhecer, ele viu um certo homem pobre em Āḷavi. Percebendo que ele tinha a base para a realização, ele se cercou de uma companhia de quinhentos monges e foi para Āḷavi, onde os habitantes imediatamente convidaram o professor para ser seu convidado. O homem pobre também ouviu que o professor havia chegado e decidiu ir ouvi-lo ensinar o Dhamma. Mas naquele mesmo dia um boi que tinha se perdeu. Então ele refletiu: “Devo procurar o boi, ou devo ir e ouvir o Dhamma?” E ele decidiu: “Procurarei primeiro o boi e depois irei ouvir o Dhamma”. Assim, de manhã cedo, ele partiu para procurar seu boi.
Os moradores de Āḷavi forneceram assentos para a Sangha de monges presidida pelo Buddha, serviram-lhes comida, e depois da refeição pegaram a tigela do professor, para que ele pudesse recitar palavras de bênção. O professor disse: “Aquele por causa de quem eu vim aqui numa viagem de cento e quarenta quilômetros foi para a floresta em busca de seu boi, que se perdeu. Não ensinarei Dhamma até ele voltar”. E ele se manteve em paz.
Quando ainda era dia, o homem pobre encontrou seu boi e imediatamente o dirigiu de volta para o rebanho. Em seguida, ele pensou: “Mesmo que eu não possa fazer mais nada, eu vou, pelo menos, prestar meus respeitos ao professor”. Consequentemente, embora estivesse oprimido com dores provenientes da fome, ele decidiu não ir para casa, mas foi rapidamente ao professor, e tendo prestado respeito a ele, sentou-se a um lado. Quando o homem pobre chegou e ficou diante do professor, o professor disse ao cuidador do alimento: “Há algum alimento que sobrou daquele doado à Sangha dos monges?” “Venerável senhor, a comida não foi tocada”. “Bem, então, sirva este homem pobre com comida”.
… Tão logo os sofrimentos físicos do homem pobre foram aliviados, sua mente ficou tranquila. Em seguida, o professor ensinou ao Dhamma, o discurso gradual 6, em seguida, apontou as (quatro) Verdades (dos Nobres). No final do ensinamento, o homem pobre alcançou a fruição que é da entrada-na-correnteza …. [Mais tarde, o Buddha explicou aos monges que ele tinha conhecimento da situação do homem pobre e tinha pensado:] “Se eu ensinar o Dhamma a este homem enquanto ele está sofrendo as dores da fome, ele não será capaz de entendê-lo”.
Comentário do Dhammapada, III.261–63, trad. P.H.
Vi.31 Um homem humilde se torna honrado pelas deidades por meio da ordenação e do despertar
Nasci numa família humilde, pobre, com pouca comida; meu trabalho era humilde; meu trabalho era retirar as flores murchas.
Desprezado pelos homens, desconsiderado e maltratado, tornando minha mente humilde prestei homenagem a muitas pessoas.
Então eu vi o desperto, reverenciado pela Sangha dos monges, o grande herói, entrando na cidade suprema do povo de Magadha.
Desfazendo-me de minha vara de carregar, me aproximei para prestar homenagem a ele; por simpatia por mim, o melhor dos humanos ficou parado.
Tendo prestado homenagem aos pés do professor, de pé de um lado, pedi então ao melhor de todos os seres vivos a admissão na comunidade monástica.
Então, o professor misericordioso, solidário com o mundo inteiro, me disse: “Vem, monge”. Essa foi a minha admissão completa.
Morando sozinho na floresta, não relaxando, eu mesmo cumpri as ordens do professor, assim como o Vitorioso me exortou.
Na primeira vigília da noite eu me recordei de meus nascimentos anteriores; no meio da noite, purifiquei meu olho divino 7; na última vigília da noite, rasguei a massa de escuridão.
Então, no final da noite, próximo do nascer do sol, (as deidades) Inda (Sakka) e Brahmā vieram e me veneraram com as mãos em foma de concha (dizendo):
“Homenagem a você puro-sangue dos humanos; homenagem a você, melhor dos humanos; a você cujas inclinações intoxicantes são aniquiladas; você é digno de oferendas, senhor”.
Então, vendo-me reverenciado pela assembleia das deidades, dando um sorriso, o professor disse o seguinte:
“Pela austeridade, vivendo a vida santa, pela autocontenção e auto-domesticação, é assim que alguém é um brāhmaṇa; este é o estado supremo de ser um brāhmaṇa”.
Verses of Sunīta: Theragāthā 620–631, trad. G.A.S.
Vi.32 Um professor habilidoso: o esforço não precisa ser nem muito tenso nem muito frouxo
Esta passagem ilustra a maneira hábil como o Buddha ensinou. Ela se refere a um monge recentemente ordenado que forçava em excesso na energia aplicada à caminhada meditativa, e que quase desiste de ser um monge, pois não obtém resultados benéficos. O Buddha o aconselha a abordar as coisas mais gentilmente, embora não de uma maneira frouxa. Embora este conselho se refira a um monge, é de relevância mais geral para a prática espiritual.
Devido à aplicação excessiva de vigor no andar para lá e para cá, (a pele) dos pés do Venerável Soṇa racharam, o lugar para andar para lá e para cá ficou manchado de sangue como se tivesse havido um abate de gado. Em seguida, surgiu o seguinte pensamento na mente do Venerável Soṇa enquanto ele meditava sozinho: “Os discípulos do Bem-Aventurado vivem aplicando vigor. Eu sou um deles, mas minha mente não está livre das inclinações intoxicantes sem o apego. Tenho os bens da minha família. Então, poderá ser possível aproveitar as posses e fazer ações karmicamente benéficas? 8 Suponha que eu, tendo retornado à vida inferior, aproveitasse as posses e fizesse ações karmicamente benéficas?”
Então, o Bem-Aventurado, conhecendo pela sua mente a mente do Venerável Soṇa, assim como um homem forte poderia esticar seu braço dobrado ou dobrar seu braço estendido, desaparecendo do Monte do Pico dos Abutres apareceu no Bosque Fresco. … [Ele se aproximou de Soṇa e perguntou-lhe se estava pensando em voltar à vida laica devido ao fracasso de seus esforços espirituais. Quando ele disse que isso era verdade, o Buddha disse:] “Soṇa, o que você pensa sobre isto? Você era bom com a música de cordas do alaúde quando você era um chefe de família?” “Sim, venerável senhor”. “Soṇa, o que você acha disto? Quando as cordas do seu alaúde estavam muito apertadas, seu alaúde naquela época ficava afinado e apto para tocar?” “De fato não, venerável senhor”. “Soṇa, o que você acha disto? Quando as cordas do seu alaúde estavam muito frouxas, seu alaúde naquela época ficava afinado e apto para tocar?” “De fato não, venerável senhor”. “Soṇa, o que você acha disto? Quando as cordas do seu alaúde não estava nem muito apertadas nem muito frouxas, mas estavam sintonizadas no ponto em um tom uniforme, seu alaúde naquela época ficava afinado e apto para tocar?” “De fato sim, venerável senhor”. “Soṇa, da mesma maneira a aplicação excessiva de vigor conduz à inquietação, e o vigor demasiado fraco conduz à preguiça. Soṇa, portanto, determine-se a um equilíbrio harmonioso em termos do vigor e se ajuste a um equilíbrio uniforme das faculdades espirituais 9 e reflita assim”. “De fato sim, venerável senhor”, o Venerável Soṇa respondeu ao Bem-Aventurado em assentimento.
Então, o Bem-Aventurado, tendo exortado o Venerável Soṇa com essa exortação, assim como um homem forte poderia estender o braço dobrado ou dobrar o braço estendido, ele, desaparecendo da frente do Venerável Soṇa, no Bosque Fresco, apareceu no Monte do Pico dos Abutres.
Então, o Venerável Soṇa se determinou em relação ao equilíbrio harmonioso em termos do vigor e se ajustou ao equilíbrio uniforme das faculdades, e refletiu sobre isso. Então, o Venerável Soṇa, habitando sozinho, afastado, sincero, ardente, auto-resoluto, logo realizou aqui e agora por seu próprio conhecimento superior aquele objetivo supremo da vida santa por causa da qual os filhos de boas famílias saem de maneira justa da vida do lar para a vida sem lar, permaneceu nela, e entendeu: “O nascimento está destruído, os requisitos da vida santa foram cumpridos, o que deve ser feito foi feito, e não há mais nada a ser feito daqui para a frente”. E assim o Venerável Soṇa tornou-se um dos arahants.
Mahāvagga V.1.13–18: Vinaya I.182–183, trad. G.A.S.
Vi.33 Os meios hábeis do Buddha como professor
*Nesta passagem, o Buddha ensina o monge Nanda, seu primo e meio-irmão, a fim de garantir que ele permaneça como monge depois de ter expressado sua intenção de voltar à vida laica. Ele pergunta a ele porque ele pretende fazer isso, e então o ajuda a ver que se é devido a uma linda mulher que almeja, os céus têm muitas delas, mais bonitas do que qualquer humana. Tendo assim feito com que ele permanecesse como monge, Nanda então percebe que fazer isso para conquistar belas deidades é uma razão inferior, e estimulado pela crítica de outros monges, aplica-se corretamente e alcança o despertar. Assim, o Buddha habilmente o guia para o objetivo mais alto, oferecendo-lhe primeiro um objetivo inferior tentador.
Outra história da habilidade do Buddha como professor vem do comentário do Dhammapada (III.425-28). Ele descreve o filho de um ourives que é particularmente ruim em fazer todas as práticas de meditação que lhe são dadas, as quais focam principalmente nos aspectos pouco agradáveis do corpo, de modo que ele pensa que nunca será capaz de se concentrar. Desesperado, ele visita seu professor Sāriputta várias vezes. Sāriputta o leva ao Buddha, que percebe que em muitas vidas anteriores, assim como esta, ele tinha sido um ourives, e apenas precisava de um objeto que fosse bonito para acalmar sua mente e pudesse assim alcançar as meditações; um objeto negativo nunca seria útil para ele. Ele evoca um lótus vermelho dourado para o garoto, e pede que ele pratique a meditação sobre esse objeto. O garoto rapidamente atinge as quatro absorções meditativas. O Buddha vê que só agora, com a mente acalmada, é o momento certo para o garoto ver os sinais de decadência e de decomposição. Ele faz com que a lótus murche. O garoto vê isso, e, em seguida, vê decaindo outros lótus, ocorrendo naturalmente, todos em vários estágios de desenvolvimento, desde recém-brotando até totalmente maduros. Depois de um verso (Dhammapada 285) do Buddha, o menino se ilumina.
Outra história do comentário do Dhammapada (II.272-75) é sobre a morte da criança de Kisā Gotamī. Ela é incapaz de aceitar isso e, carregando a criança, vai em busca de um remédio para “curá-lo”. As pessoas acham que ela está louca, mas uma pessoa gentil a direciona para o Buddha. Ele diz que pode curar a criança se ela lhe der um pouco de semente de mostarda - mas só se for de uma casa onde ninguém tenha morrido. Indo em busca dessa “remédio”, ela acaba percebendo que não está sozinha em perder alguém para a morte, e aceita a sua realidade. O Buddha então a ensina, e ela se torna uma entrante-na-correnteza.*
“A senhora sakya, para mim, Bem-Aventurado, a mais linda da terra, olhou-me com o cabelo meio penteado quando eu saía de casa e me disse: “Que você volte rápido, mestre”. Agora é lembrando disso que eu, Bem-Aventurado, levo a vida santa sem nela encontrar prazer, sendo incapaz de continuar a vida santa corretamente, negarei o treinamento e voltarei para a vida inferior”.
Então, o Bem-Aventurado agarrou o Venerável Nanda pelo braço e, assim como um homem forte poderia esticar um braço dobrado ou dobrar um braço estendido, dessa maneira ele desapareceu do Bosque de Jeta e apareceu entre as deidades das Trinta e Três. E naquela ocasião, cerca de quinhentas ninfas, conhecidas como ‘pés de pomba’, tinham vindo ao encontro de Sakka, senhor das deidades, e por isso o Bem-Aventurado se dirigiu ao Venerável Nanda, dizendo … “O que você acha, Nanda? Qual é mais excessivamente bela, a mais apropriada para se contemplar ou a que mais inspira a serenidade: a senhora sakya que é a mais bela da terra ou essas quinhentas ninfas que são conhecidas como ‘pés de pomba’?” “É como se ela fosse uma macaca mutilada … quando contrastada com estas quinhentas ninfas …”
“Encontre prazer lá, Nanda, encontre prazer lá. Eu serei sua garantia no que diz respeito à obtenção das quinhentas ninfas…” “Se o Bem-Aventurado será meu fiador … então eu, Bem-Aventurado, encontrarei o deleite, Bem-Aventurado, na vida santa”.
[Depois de voltarem ao Bosque de Jeta] Os monges ouviram isso: “Diz-se que o Venerável Nanda, irmão do Bem-Aventurado e filho de sua tia materna, leva a vida santa por causa de ninfas ….” Então, os monges que eram companheiros do Venerável Nanda (agora) se dirigiam a ele com os títulos de “mercenário” e “comprador”…
Então, o Venerável Nanda, sendo atormentado, humilhado e horrorizado pelos seus companheiros com o título de “mercenário” e “comprador”, habitando sozinho, afastado, diligente, ardente e dedicado, maduro, não muito tempo depois … entrou e então permaneceu naquele culminar insuperável da vida santa por causa do qual os jovens saem da vida do lar para a vida sem lar … e o Venerável Nanda se tornou um dos arahants.
Nanda Sutta: Udāna 22–23, trad. P.H.
Vi.34 Busque dentro de você, e o discurso passo a passo
Nesta passagem, o Buddha exortou um grupo de homens a procurar dentro deles mesmos o que vale a pena encontrar, ao invés de se preocupar com assuntos externos. Ele então dá o que é conhecido como o discurso gradual (ver Th.28), no qual ele prepara a mente de seu público antes de dar seu ensinamento superior.
Em seguida, o Bem-Aventurado, tendo morado em Varanasi durante o tempo que achou oportuno, partiu na direção de Uruvelā. Então o Bem-Aventurado deixou a estrada e foi para um certo bosque; tendo lá chegado, e entrando nele, sentou-se ao pé de uma árvore. Naquela época, um grupo de trinta amigos de alta classe estavam se divertindo naquele mesmo bosque juntamente com suas esposas. Um deles não tinha esposa; para ele tinham trazido uma cortesã. Ora, enquanto eles estavam desatentamente se divertindo, aquela cortesã pegou seus pertences e fugiu.
Então, aqueles companheiros, ajudando seu amigo, foram em busca daquela mulher; vagando pelo bosque, eles viram o Bem-Aventurado sentado ao pé de uma árvore. Vendo-o, eles foram para o lugar onde o Bem-Aventurado estava; tendo se aproximado dele, eles falaram com o Bem-Aventurado: “Venerável senhor, o Bem-Aventurado viu uma mulher passando por aqui?” “Rapazes, o que vocês têm a ver com a mulher?” “Venerável senhor, nós, os trinta amigos de alta classe, juntamente com as nossas esposas, estávamos nos divertindo neste bosque. Um de nós não tinha esposa; para ele tínhamos trazido uma cortesã. Agora, venerável senhor, enquanto estávamos nos divertindo desatentamente, aquela cortesã pegou os artigos que nos pertenciam e fugiu. Venerável senhor, ajudando nosso amigo, nós companheiros estamos em busca daquela mulher e vagamos por este bosque”.
“Rapazes, o que acham agora? O que é melhor para vocês: que sigam à procura de uma mulher, ou que buscassem a si mesmos? “Venerável senhor, dentre esses dois, ir em busca de nós mesmos é realmente melhor para nós”. “Rapazes, se assim for, sentem-se, vou lhes ensinar o Dhamma”. Os jovens e ricos companheiros responderam: “Sim, venerável senhor”. Eles respeitosamente cumprimentaram o Bem-Aventurado, e sentaram-se a uma distância respeitosa.
Então, o Bem-Aventurado proferiu um discurso passo-a-passo, isto é, falou sobre o doar, falou sobre a disciplina ética, falou sobre os mundos celestiais; fez conhecer o perigo, a natureza inferior e a tendência às impurezas com relação aos prazeres sensoriais, e a vantagem de renunciá-los; assim, obtiveram, enquanto ali sentados, o olho puro e imaculado do Dhamma: “Tudo o que está sujeito à originação também está sujeito à cessação”.
E tendo visto o Dhamma, alcançado o Dhamma, conhecido o Dhamma, mergulhado no Dhamma, superado a incerteza, com todas as dúvidas dissipadas, com o insight completo, e tendo plena confiança no Dhamma do professor independente de qualquer outra pessoa, eles disseram ao Bem-Aventurado: “Venerável senhor, que possamos receber a admissão (na ordem monástica) e a admissão plena na presença do Bem-Aventurado?” “Venham, monges”, disse o Bem-Aventurado, “bem ensinado é o Dhamma; levem uma vida santa com o objetivo da completa extinção do doloroso”. Foi assim que os veneráveis receberam a admissão plena.
Mahāvagga: Vinaya I.23–24, trad. G.A.S.
Vi.35 Ensinar é uma maravilha que é superior aos poderes supranormais e à leitura da mente
Nesta passagem, o Buddha critica a sugestão de que os monges deveriam realizar demonstrações de poder supranormal, de modo a aumentar a fé das pessoas. Os monges podem ser capazes de genuinamente realizar maravilhas psicocinéticas e leitura da mente, com base no poder de sua meditação, mas isso não impressionaria os céticos para desenvolver sua fé, pois eles veriam tais coisas como sendo algum tipo de encantamento mágico. A “maravilha” realmente benéfica é ensinar aos outros o caminho para o despertar. Embora o Buddha expresse desgosto com relação às duas primeiras “maravilhas”, é claro que a sua crítica é dirigida a realizá-las simplesmente como uma demonstração para atrair apoio. Em outros lugares, ele usa tais poderes para melhor permitir que ele ensine as pessoas, e ele não critica os monges que usam tais poderes dessa forma. Uma vez, o Buddha é dito ter realizado a “maravilha dos pares”, que só ele era capaz de fazer: produzir fogo e água de várias partes do seu corpo, e emitir raios de seis cores (Paṭisambhidāmagga I.125 — 126). Porém, ele rejeita a tentação de Māra de transformar os Himālayas em ouro (Saṁyutta Nikāya I.116 <258>).
Em certa ocasião, o Bem-Aventurado residia em Nālandā, no bosque de mangueiras Pāvārika. Então, o chefe de família Kevaṭṭa 10 veio ao Bem-Aventurado e, depois de lhe prestar respeito, sentou-se de um lado. Então sentado, ele disse ao Bem-Aventurado: “Venerável senhor, esta Nālandā é rica, próspera, populosa e cheia de pessoas que têm fé no Bem-Aventurado. Seria bom se o Bem-Aventurado instruísse um monge a realizar maravilhas sobre-humanas de potência psíquica. Desta maneira, o povo de Nālandā viria a ter mais fé no Bem-Aventurado”. Assim sendo dito, o Bem-Aventurado falou com o chefe de família Kevaṭṭa: “Kevaṭṭa, não é assim que eu ensino o Dhamma aos monges, dizendo: Monges, vão e realizem maravilhas sobre-humanas de potência psíquica para os leigos vestidos de branco.
… Quando o chefe de família Kevaṭṭa repetiu seu pedido pela terceira vez, o Bem-Aventurado disse: “Kevaṭṭa, há três tipos de maravilhas que eu declarei, tendo-as percebido pela minha própria visão. Quais três? Eles são a maravilha do poder supranormal, a maravilha da leitura da mente e a maravilha da instrução. Kevaṭṭa, qual é a maravilha do poder sobrenatural? Kevaṭṭa, aqui um monge exerce vários tipos de poderes supranormais: tendo sido um, ele se torna muitos; tendo sido muitos ele se torna um. Ele aparece e desaparece. Ele segue desimpedido através de paredes, muralhas e montanhas como se através do céu. Ele mergulha para dentro e para fora da terra como se fosse água. Ele caminha sobre a água sem afundar como se fosse na terra. Sentado de pernas cruzadas, ele voa pelo ar como um pássaro alado. Com sua mão ele toca e acaricia até a lua e o sol, tão grandiosos e poderosos. Ele exerce influência com seu corpo até mesmo nos mundos de brahmā.
Então, alguém que tem fé e confiança vê aquele monge exercendo tais tipos variados de poderes supranormais. … Essa pessoa fiel e crente diz isso a outra pessoa que é cética e incrédula. … E esse homem infiel e incrédulo poderia dizer: “Senhor, há algo chamado encantamento de Gandhāra. É por meio disso que o monge exerce milagres, tais como tendo sido um, ele se torna muitos … Ele exerce influência com seu corpo até mesmo nos mundos de brahmā”.
Kevaṭṭa, o que você acha, um cético não diria isso a um crente?” “Venerável senhor, ele diria assim”. “Kevaṭṭa, é por isso que, vendo o perigo da maravilha do poder supranormal, fico enojado, envergonhado e o evito. Kevaṭṭa, qual é a maravilha da leitura da mente? Aqui, um monge lê as mentes de outros seres, de outras pessoas, lê seus estados mentais, seus pensamentos e reflexões, e diz: “É assim que sua mente é; é assim que ela se inclina; isso está em seu coração”. Então alguém que tem fé e confiança o vê fazendo essas coisas. Ele diz isso a outra pessoa que é cética e incrédula. … E aquele homem infiel e incrédulo poderia dizer: “Senhor, há algo chamado de encantamento de Maṇikā. É por meio disso que o monge pode ler as mentes dos outros …”
“Kevaṭṭa, o que você acha, um cético não diria isso a um crente?” “Venerável senhor, ele diria assim”. “Kevaṭṭa, é por isso que, vendo o perigo da maravilha da leitura da mente, fico enojado, envergonhado e o evito. Kevaṭṭa, qual é a maravilha da instrução? Kevaṭṭa, aqui um monge dá instruções da seguinte forma: “Pense desta maneira, não dessa maneira, atenda desta maneira, não daquela maneira, abandone isso, e permaneça tendo entrado aí”. Kevaṭṭa, isso se chama de milagre da instrução.
… [O Buddha continua a descrever, guiando uma pessoa até atingir o estado de arahant.] Kevaṭṭa, isso se chama de maravilha da instrução”. E eu, Kevaṭṭa, experimentei essas três maravilhas com meu próprio conhecimento superior.
Kevaṭṭa Sutta: Dīgha Nikāya I.211–215, trad. G.A.S.
-
Ver Th.156-68. ↩︎
-
Uma visão direta como um conhecer supranormal, resultante de uma mente meditativamente sintonizada. ↩︎
-
Muitas vezes traduzidas como “Nobres Verdades”, mas isso é enganador, pois são quatro realidades, a segunda das quais é descrita nesta passagem como “abandonada”; somente se fosse uma verdade sobre a origem do que é doloroso ela poderia ser “nobre”, mas se assim fosse, não precisaria ser abandonada. ↩︎
-
Os tipos de processos físicos e mentais que compõem uma pessoa, que a pessoa agarra em vão como supostamente sendo, ou sendo possuído por um eu permanente. ↩︎
-
Ou seja: desistir da sede pela “próxima coisa”, e entregar-se plenamente ao que está aqui, agora; abandonar os apegos, passados, presentes ou futuros; liberdade que vem do contentamento; não ser dependente do desejo sedento de modo que a mente não se assente em nada, aderindo-se a ele, se encostando nele. ↩︎
-
Ver Vi.34 e Th.28. ↩︎
-
Que pode ver como outros seres renascem de acordo com seu karma. ↩︎
-
Isso leva a um bom renascimento, mas não a libertação. ↩︎
-
Veja Th.89 e 91. ↩︎
-
Soletrado Kevaddha em algumas tradições manuscritas, como também como o nome do sutta. ↩︎