SSS - Seção 1
Satya – 21. O passado e o futuro
Questão: O passado e o futuro existem verdadeiramente. Por que razão? Se existir um dharma pode surgir uma mente em função dele. É como os dharmas do presente e os dharmas incondicionados. Ou ainda, o Buddha ensina as características da forma e que existem as formas passadas e futuras. Ou ainda, ensina que existe a forma podendo ela ser interna ou externa, grosseira ou sutil, passada, futura ou presente. A todas essas modalidades chamamos de agregado da forma. Ou ainda, ensina que sendo impermanentes o passado e o futuro, o que não dizer do presente? Como a impermanência é a característica daquilo que é condicionado devemos dizer que esses dharmas existem. Ou ainda, na realização da visão no presente a sabedoria surge da sabedoria em função do cultivo da mesma forma com que grãos de arroz surgem a partir de sementes de arroz. Assim sendo, devemos saber que existem os dharmas passados. Caso o passado não existisse o fruto não possuiria causa. Ou ainda, é ensinado nos sūtras:
“Caso exista verdadeiramente o passado, existem os benefícios. Assim é ensinado pelo Buddha.”
Ou ainda ensina que devemos discernir todo o passado e todo o futuro como sendo ausente de ātman. Ou ainda, é tendo o futuro por seu objeto que surge a consciência e é em função do passado que surge a intenção. Caso não existisse o passado, em que poderia a consciência apoiar-se em seu surgimento? Ou ainda, devemos saber que é em função do karma passado que existe a retribuição futura. A isso chamamos de visão correta. Ou ainda, o Buddha pode conhecer os diversos karmas passados e futuros em função de seus dez poderes. Ou o Buddha ainda ensina que se não existisse o karma negativo no passado não ocorreria a queda nos caminhos do mal no fim desta existência. Ou ainda, se um praticante permanecer em uma mente contaminada ele não poderá realizar as raízes incontaminadas como a fé. Ou ainda, os sábios não poderiam estabelecer-se no conhecimento dos eventos futuros. Ou ainda, caso não existissem o passado e o futuro não poderíamos conhecer os cinco objetos. Por que razão? A consciência não conhece os cinco objetos presentes. Ou ensina ainda que o passado é o objeto das dezoito ações intencionais. Ou ainda, caso não existissem o passado e o futuro um Arahat não deveria falar a respeito de sua realização das absorções por não poder falar enquanto nelas permanece. Ou ainda, no que diz respeito aos quatro objetos da atenção não deveria ser possível realizar a visão da mente interna e da sensação externa. Por que razão? Por não poder contemplar o passado a partir do presente. Ou ainda, não deveria ser possível o cultivo dos quatro esforços. Por que razão? Por não existirem dharmas negativos no futuro. E é da mesma forma no que diz respeito às quatro categorias restantes. Ou ainda, caso não existissem o passado e o futuro não poderia existir o Buddha. Ou ainda, seria impossível a prática contínua dos preceitos até o presente. Assim sendo, sabemos que a negação do passado e do futuro é improcedente.
Satya – 22. A inexistência dos dois tempos
Resposta: O passado e o futuro não existem. Mesmo que você diga que uma mente surge a partir de um dharma isso já foi respondido anteriormente. É possível uma mente surgir mesmo não tendo um dharma por seu objeto. Ou ainda, você afirma que as características da forma podem ser enumeradas ou enunciadas, mas essa asserção é improcedente. O passado e o futuro não podem ser dharmas da forma por não estarem sujeitos à desagregação. E não podemos dizer que possuam a característica da impermanência. O Buddha só ensina sua existência nominal em função da discriminação confusa dos seres sencientes. Ou ainda, você diz que a sabedoria surge da sabedoria, mas as causas e condições que produzem a causa e o fruto já estão extintas. É como uma raiz que desaparece ao surgir o dente. O Buddha disse ainda que um evento deriva de outro evento. Ou ainda, você afirma que o Buddha pregou a verdade que conduz aos benefícios, mas o Buddha ensinou dessa forma fundamentalmente voltado para o presente. Ele não se estendeu a esse respeito. Quando ensinamos que o passado se extinguiu isso significa que ele não existe. Ou ainda, você se refere ao discernimento da inexistência do ātman, mas os seres sencientes deduzem sua existência em função dos dharmas passados e futuros. Assim foi ensinado pelo Buddha. Ou ainda, você fala de uma visão correta em que o corpo suscita o karma, mas a atividade do karma e de seu fruto já se extinguiram. É em função de ser recebido posteriormente que falamos de fruto. No Buddhadharma tanto a existência quanto a inexistência são todas meios hábeis que indicam as causas e condições da retribuição kármica não se constituindo no sentido rigoroso. É como dizer que os seres sencientes existem em função das causas e condições. É da mesma forma no que diz respeito ao passado e ao futuro. Que a intenção surja em função do passado significa que surge de uma dependência nos meios hábeis. Não é como evitar a dependência das pessoas. É preciso esclarecer ainda que a mente não surge em função de um ātman, mas que a mente seguinte surge tendo a mente anterior por sua causa. É da mesma forma no que diz respeito ao poder do karma. O Buddha sabe que mesmo que o karma se extinga ele pode agir como a causa do fruto, mas não diz que se trate de uma dependência como aquela existente entre uma letra e o papel. E é da mesma forma no que diz respeito ao karma negativo. Quando o corpo suscita um karma o fruto da retribuição não se perde mesmo que esse karma se extinga. Ou ainda, você afirma que não poderiam existir as diversas raízes incontaminadas. Se um praticante realiza uma raiz incontaminada ele a realiza no presente. Mesmo que o passado já esteja extinto e que o futuro ainda não tenha chegado, como essa raiz está realizada não podemos dizer que ela não existe. Ou você ainda diz que um Sábio não poderia ter o conhecimento do futuro. É da mesma forma no que diz respeito ao poder da sabedoria. Mesmo que o dharma ainda não exista é possível ter dele um conhecimento obscuro. É como os dharmas passados que podem ser conhecidos pelo poder do discernimento mesmo já estando extintos. Ou ainda, você diz que não seria possível conhecer aos cinco objetos, mas isso é como o discernimento de um ignorante que capta primeiro uma característica em função de seu falso discernimento. Mesmo que se extinga possui uma extensão posterior no surgimento da memória. E é da mesma forma no que diz respeito aos dharmas que se constituem no conteúdo da memória que não são certamente como os chifres de um coelho. E é da mesma forma no que diz respeito às dezoito ações intencionais. Ocorre a captação presente da forma e mesmo que o passado se extinga ela permanece na memória. Ou ainda, você afirma que não seria possível dizer que realizei uma absorção, mas essa absorção realizada no presente pode ser expressa posteriormente em função do poder da memória. Ou ainda, você afirma que não seria possível discernir a mente e a sensação internas. Existem duas modalidades de mente. A primeira consiste no surgimento e extinção a cada instante de consciência, a segunda é a continuidade do fluxo de eventos mentais. Discernir a continuidade do fluxo mental em função da mente presente não é uma extensão do presente. Ou ainda, você afirma que não seria possível cultivar os quatro esforços, mas é possível bloquear as causas e condições dos futuros dharmas maléficos e suscitar as causas e condições dos futuros dharmas benéficos. Você diz ainda que um Buddha não poderia existir, mas sendo a serenidade da extinção a característica do Buddha ele não pode ser incluído na existência ou na não existência dos tempos. Como poderia ele não existir se é objeto do refúgio dos seres sencientes da mesma forma com que as pessoas mundanas reverenciam seus pais? Ou ainda, você afirma que não seria possível o cultivo dos preceitos desde um tempo imemorial até o presente em função da inexistência do tempo. Existem diversas distinções nos preceitos. Por que razão? Não existe um dharma chamado tempo, o tempo só existe como o surgimento e extinção da combinação dos dharmas. Assim sendo, todas as causas a que você se refere são improcedentes.
Satya – 30. A natureza da mente
O Tratadista afirma: Alguns ensinam que a natureza da mente é originariamente pura e que ela se torna impura quando encoberta por fatores adventícios. Existem ainda aqueles que consideram esse ponto de vista improcedente.
Questão: Em função de que causas e condições se ensina que a mente é originariamente pura? Em função de que causas e condições se ensina que não é dessa forma?
Resposta: Aqueles que ensinam que não é dessa forma dizem que a natureza da mente não é originariamente pura e que ela não se torna impura em função de estar encoberta por fatores adventícios. Por que razão? As paixões e a mente surgem permanentemente em conjunto, não se tratando de características adventícias. Ou ainda, existem três modalidades de mente que são as mentes benéficas, maléficas e neutras. As mentes benéficas e neutras não são impuras. Caso as mentes maléficas fossem impuras desde sua origem elas não seriam fatores adventícios. Ou ainda, essas mentes surgem e desaparecem em cada instante de consciência sem esperar pelas paixões. Caso elas surjam conjuntamente com as paixões elas não podem ser consideradas adventícias.
Questão: A mente é chamada apenas de conhecimento da forma por se apegar posteriormente às características. Dessas características surgem as paixões. Juntamente com a mente surgem as impurezas. Assim sendo, ela é originariamente pura.
Resposta: Essa asserção é improcedente. Não existe ainda uma característica nos instantes de consciência em extinção. Que lugar pode ser contaminado durante a extinção de um instante de consciência?
Questão: Não compreendendo dessa forma a extinção dos instantes de consciência ensino que existem essas impurezas em função da continuidade da mente.
Resposta: Essa continuidade da mente existe em função da verdade convencional, não sendo uma verdade em seu sentido rigoroso. Assim sendo, ela não deve ser ensinada dessa forma. Ou ainda, existem vários erros na verdade convencional. Como a mente já se extingue no processo de seu surgimento que continuidade pode existir? Assim sendo, a natureza da mente não é originariamente pura e não se torna impura em função de fatores adventícios. O Buddha apenas ensina em benefício dos seres sencientes que a mente está permanentemente presente e que se torna impura em função dos fatores adventícios. Ou ainda, o Buddha ensina dessa forma por saber que se os negligentes seres sencientes ouvirem que a mente é originariamente impura pensarão eles que essa natureza é imutável e não se esforçarão por suscitar mentes puras. Em função disso ele ensina a pureza original.
Satya – 34. A respeito da inexistência do pudgala
O Tratadista afirma: aqueles que seguem o caminho dos Sammityas afirmam a existência do pudgala (pessoa), os demais a negam.
Questão: Qual desses pontos de vista é o verdadeiro?
Resposta: O verdadeiro ponto de vista é a inexistência do pudgala. Por que razão? Como o Buddha afirmou para os bhikṣus no Sutra é apenas em função do nome, da convenção e da função que o chamamos de pudgala. É em função dele só existir devido a fatores como o nome que sabemos que ele não existe verdadeiramente. Ou ainda se afirma nos sūtras:
“Se uma pessoa não realizar a visão do sofrimento, ela vê o pudgala. Ao realizar a verdadeira visão do sofrimento, não volta a ver o pudgala. Caso o pudgala existisse verdadeiramente, a pessoa que realizou a visão do sofrimento ainda deveria vê-lo.“
Ou ainda ele afirma:
“Os Sábios só afirmam a existência do pudgala em função das convenções mundanas.“
Ou o Buddha ainda afirma nos sūtras:
“O pudgala é o local da atividade. Caso existisse verdadeiramente não seria chamado de local da atividade. É como a existência da base da visão que não é chamada de base da atividade.“
Ou ainda, a questão do pudgala é amplamente avaliada em diversas passagens dos sūtras. É conforme foi dito por uma Sábia Bhikkuni ao rei dos maras:
“Os seres sencientes a que você se refere são uma visão perversa. Todos os dharmas condicionados são vazios, não existindo seres sencientes.“
Ou ainda afirma:
“Todas as propensões existem em função da continuidade. São transformações que perturbam os seres sencientes. Todas elas são como bandidos furiosos que penetram longamente na mente não possuindo uma verdadeira substância.“
Ou ainda afirma:
“Não existe o “eu” (ātman), o meu, os seres sencientes ou o pudgala. São todos vazios. Os cinco agregados surgem e desaparecem desfazendo suas características. Existe o karma e sua retribuição, mas o seu agente é incognoscível. A continuidade dos dharmas existe em função das condições dos seres sencientes.”
O Buddha avalia a questão do pudgala em diversos sūtras. Assim sendo, não existe o pudgala. Ou ainda, existe a compreensão do significado da consciência nos sūtras. Ao que chamamos de consciência? Chamamos de consciência à função de conhecer a forma e os diversos dharmas. Como não é ensinado que a consciência seja um pudgala isso implica em sua negação.
“Um bhikṣu chamado Cunda pergunta ao Buddha: Quem come e conhece o alimento da consciência?
O Buddha afirma: Eu não ensino que o alimento da consciência implique na existência de um conhecedor. Caso existisse o pudgala eu seria obrigado a ensinar que existe uma pessoa que come e conhece os alimentos. Como não ensino isso devemos saber que não existe um pudgala.”
Ou ainda, no “Sutra da recepção do Rei Bimbisara” o Buddha ensina da seguinte maneira aos bhikṣus:
Vocês devem discernir que o ignorante faz de suas convenções o pudgala. No interior desses cinco agregados não existem o ‘eu’ nem o ‘meu’.”
Ou ainda afirma:
“É em função dos cinco agregados que existem diversos nomes, e que existem signos imensuráveis como o pudgala, os seres sencientes, os seres humanos e os devas. Tudo isso existe em função dos cinco agregados. Caso existisse uma pessoa teríamos que dizer que existem em função do pudgala. Ou afirma ainda um Mestre dos caminhos externos: se alguém afirmar a existência sem uma visão perversa, o Buddha elimina o orgulho dessa falsa visão sem eliminar os seres sencientes. Em função disso não existe o pudgala.”
Ou ainda, no “Yamaka Sutra”, o Venerável Shariputra se dirige a Yamaka dizendo:
“Questão: Você vê ao agregado da forma como a um Arahat?
Resposta: Não.
Questão: você vê aos agregados da sensação, identificação, impulsos volitivos e consciência como a um Arahat?
Resposta: Não.
Questão: Você vê a combinação dos cinco agregados como sendo um Arahat?
Resposta: Não.
Questão: Você vê o Arahat como existindo separadamente dos cinco agregados?
Resposta: Não.
Shariputra afirma: Se formos dessa forma buscar pelo incognoscível deveremos dizer que o Arahat não existe depois da morte?
Responde afirmando: Shariputra, eu tinha anteriormente uma visão perversa e invertida. Essa visão se extinguiu ao ouvir o sentido que acaba de enunciar. Caso existisse o pudgala, não chamaríamos a isso de perversidade? Ou ainda, dentre os quatro apegos chamamos a esse de apego ao conceito de pudgala. Se existisse a pessoa deveríamos chamar a isso de apego ao pudgala. Como isso se constitui em um desejo e em um apego não devemos falar com apego ao pudgala.”
Ou ainda se afirma no “Sutra de Senika”:
“Se entre os três Mestres, existir aquele que afirme o caráter incognoscível do pudgala no presente e no futuro eu afirmo que esse Mestre é um Buddha. O Buddha conhece a inexistência do pudgala em função de seu caráter incognoscível. Ou ainda, chamamos de inversão ao conceito de pudgala que se dá no interior de sua negação. Caso você pretenda que o conceito de pudgala não seja uma inversão, essa sua asserção é improcedente. Por que razão? O Buddha ensina que a visão do pudgala nos seres sencientes implica sempre na visão dos cinco agregados. Em função disso não existe o pudgala.”
Ou ainda afirma:
“Todas as memórias das existências passadas dos seres sencientes consistem na consideração dos cinco agregados. Caso existisse o pudgala, eles ainda deveriam considera-lo. Como não podem fazê-lo devemos saber que não existe o pudgala. Caso seja sua intenção dizer que existe nos sūtras a consideração do pudgala como se seres sencientes inexistentes pudessem possuir nomes não existentes seu argumento é improcedente. Como tudo isso se dá em função da discriminação da verdade convencional o que existe na verdade é a consideração dos cinco agregados, sendo inexistente a consideração dos seres sencientes. Por que razão? Quando a consciência considera a consciência isso se dá apenas em função das condições dos dharmas. Assim sendo, não existe a consideração dos seres sencientes. Ou ainda, se alguém afirma que está estabelecido no conhecimento da existência do pudgala ele cai necessariamente em uma das seis visões perversas. Se é sua intenção dizer que a negação do pudgala é uma visão perversa esse argumento não procede. Por que razão? Em função das duas verdades. Caso afirmemos que na verdade convencional existe a negação do pudgala e que na verdade rigorosa existe sua afirmação existe aí claramente um equívoco. Eu afirmo agora que ele não existe na verdade rigorosa, mas que existe na verdade convencional. Como não existe erro nesse caso, o Buddha afirma que essa visão arranca as raízes da visão do pudgala. É como na resposta do Buddha à questão do Rei Mogha:
“Se uma pessoa discerne em sua mente o vazio da existência mundana ela corta as raízes da visão do ātman e não volta a ver a morte. O Rei expressou ainda sua alegria ao saber que o pudgala deriva de causas e condições e que tudo está incluído nos cinco agregados. Ou ainda, que é essa visão das causas e condições que refuta as visões do pudgala nos caminhos externos. Assim sendo, não existe o pudgala.”
Satya – 35. A respeito da existência e da inexistência do pudgala
Questão: Você se refere à inexistência do pudgala, mas sua asserção é improcedente. Por que razão? Existem quatro alternativas de resposta dentre as quatro questões. No que diz respeito à existência depois da morte podemos afirmar que ela existe, que ela não existe, que ela existe e não existe e que nem existe nem não existe. Se negarmos realmente o pudgala, não podemos responder dessa maneira. Se alguém afirmar que os seres sencientes não recebem um corpo futuro essa é uma falsa visão. Ou ainda, dentre as doze divisões das escrituras existem os Jātakas. Entre outros renascimentos, o Buddha afirma ter sido o Rei Mahasudarsana. Os cinco agregados do presente não são os cinco agregados do passado. Assim sendo, existe um pudgala que vem desde sua origem até o momento presente. O Buddha ainda afirma que existem as alegrias presentes e passadas. Caso só existissem os agregados não poderiam existir essas duas alegrias. Ou ainda, se afirma nos sūtras que sendo a mente impura são impuros os seres sencientes e que sendo a mente pura são puros os seres sencientes. Ou ainda, muitos podem se beneficiar ou se prejudicar em função do nascimento de uma pessoa na esfera mundana. Ou ainda, todo o cultivo tanto do bem como do karma negativo se fundamenta nos seres sencientes, não podendo essa asserção ter consistência caso não existam os seres sencientes. Ou ainda, o Buddha afirma em diversos sūtras que é por existirem os seres sencientes que eles podem receber seus corpos futuros e que eles podem beneficiar a si mesmos e não aos outros. Em função dessas condições existe o pudgala. Mesmo que você diga que ele nada mais é do que um nome seu ponto de vista é improcedente. Por que razão? O Buddha só ensina que os caminhos externos afirmam a existência de um ātman permanente, incorruptível e distinto dos agregados. Ele ensina o ānatman para refutar esse falso ponto de vista. Como nós afirmamos que o pudgala consiste na síntese dos agregados não existe erro. Mesmo que afirmemos que o pudgala nada é mais do que um nome devemos refletir profundamente sobre esse sentido. Seria como negar que matamos uma vaca de barro dizendo que ela não existe, ou que não deve existir nenhuma falta ao matarmos uma vaca de verdade. Ou ainda, é como se uma criança cometesse um ato nominal que sempre conduz à retribuição cármica e que um adulto também sofra essa retribuição. Na verdade não é assim. Ou ainda, se por ser ele apenas um nome se ensinar a existência de algo inexistente os Sábios devem estar falando em vão. Como ele é um Sábio em função de dizer a verdade o pudgala existe. Ou ainda, se um Sábio realizar verdadeiramente a visão da inexistência do pudgala dizendo que ele é uma concessão às convenções mundanas isso é uma visão invertida e heterodoxa. Ou ainda, se pregar a existência em função das convenções mundanas que ensinam a inexistência ele não poderá afirmar as causas e condições dos doze elos, os três portais da emancipação e o dharma do ānatman conforme ensinados nos sūtras. Não é possível aceitar que se ensine uma existência depois da morte caso as pessoas digam que ela existe, que não existe essa existência caso as pessoas afirmem sua inexistência ou que todas as existências foram criadas por um deus. Não podemos afirmar essas coisas apenas por serem elas descritas nos sūtras. Como já estão refutados em sua totalidade os sūtras por você citados a negação do pudgala é improcedente.
Resposta: Você disse anteriormente que as alternativas de resposta pressupõe a existência do pudgala, mas essa asserção é improcedente. Por que razão? Esses são dharmas inexpressáveis através do discurso que serão amplamente discernidos posteriormente na seção referente à extinção do sofrimento. Assim sendo, o pudgala e os dharmas inexpressáveis existem apenas nominalmente não sendo existências verdadeiras. Ou ainda, em seu dharma o pudgala é objeto de conhecimento das seis consciências. De acordo com os sūtras por você mesmo citados a forma é o objeto da consciência visual. Assim sendo, não existe pudgala. Trata-se aí da consciência visual não sendo possível dizer que não é forma nem não forma. E é da mesma maneira no que diz respeito à consciência auditiva. Ou ainda, caso você afirme que o pudgala é conhecido pela sexta consciência essa afirmação está em contradição com os sūtras. Os sūtras afirmam que as cinco consciências não podem conhecer mutuamente seus objetos, caso o pudgala pudesse ser o objeto de conhecimento da sexta consciência isso estaria em contradição com o que você afirmou anteriormente na medida em que o objeto da consciência visual não seria a forma. Ou ainda, no que diz respeito à sua asserção de que a negação do pudgala é uma falsa visão o Buddha afirma nos sūtras para os monges:
“Mesmo não existindo o pudgala, existe o nascimento e a morte em função da continuidade das características das formações. Posso ver o momento do nascimento e da morte dos seres sencientes em função de minha visão celestial, mas não ensino a existência de um pudgala.”
Ou ainda, existe uma falha em seu dharma. Nele se afirma que o pudgala não nasce. Caso não exista nascimento não existirão pais e mães, não existindo pais e mães não existirão as violações e os demais karmas perversos. Assim sendo, seu dharma é uma falsa visão. Ou ainda, no que diz respeito à sua referência aos Jātakas é em função dos cinco agregados que existe o Rei Mahasudarsana. Ou seja, é em função da continuidade dos agregados que se chama de Buddha. Assim sendo, ao dizer que o Rei é o pudgala o seu dharma não possui coerência não podendo ser objeto de discernimento. Ou ainda, no que diz respeito às duas alegrias a que você se refere o Buddha afirma amplamente nos sūtras:
“Eu não afirmo a existência do pudgala. Abandonando esses agregados se recebem aqueles agregados. Só podemos falar de duas alegrias em função da não diferença na continuidade dos agregados.”
Ou ainda, no que diz respeito à sua asserção de que sendo a mente impura são impuros os seres sencientes é precisamente em função disso que sabemos da inexistência do pudgala. Caso existisse um pudgala ele seria distinto da mente e não seria possível dizer que estando a mente impura estão impuros os seres sencientes. Por que razão? Por não poder ser essa impureza uma sensação. As impurezas existem apenas em função das causas e condições da imputação nominal. Assim sendo, o pudgala é uma existência nominal não sendo verdadeiramente existente. Ou ainda, em seu dharma se afirma que o pudgala não é os cinco agregados. Caso fosse assim ele não surgiria nem se extinguiria e não teria demérito nem mérito. Assim sendo, sua existência é um erro. Afirmo assim que o pudgala derivado da síntese dos agregados é uma existência nominal sujeita ao surgimento e à extinção, que acumula deméritos e méritos e que não pode ser senão nominal. Ele não é uma existência verdadeira. Ou ainda, no que diz respeito à sua asserção de que o Buddha ensinou o ānatman para refutar os caminhos externos esse é um discernimento derivado de suas concepções errôneas. Não é essa a intenção de Buddha. Ou ainda, é errado dizer que diversos sūtras pregam a existência do pudgala. Quando você diz que os caminhos externos afirmam um ātman separado dos agregados, é preciso dizer que esse também é o seu caso. Por que razão? Os cinco agregados são impermanentes. Não sendo possível dizer se o pudgala é permanente ou impermanente ele está separado dos agregados. Ou ainda, existem três aspectos nos agregados que são em primeiro lugar os preceitos, a absorção e a sabedoria, em segundo lugar os benéficos, os maléficos e os neutros e em terceiro lugar os aspectos associados ao mundo do desejo, ao mundo da forma e ao mundo do informe. Caso a questão seja pensada dessa forma é inconcebível a existência do pudgala. Assim sendo, ele é distinto dos cinco agregados. Ou ainda, o pudgala é uma pessoa, como os cinco agregados não são uma pessoa eles são distintos. Ou ainda, como são cinco os agregados e um o pudgala ele não é os agregados. Em função desses fatores caso existisse um pudgala ele seria diferente dos cinco agregados. Ou ainda, não pode existir um dharma do qual não se possa dizer se é idêntico ou diferente. Assim sendo, não existem dharmas inexprimíveis.
Questão: É como o calor e o combustível que não são idênticos nem diferentes. É da mesma forma no que se refere ao pudgala.
Resposta: Existe aí a mesma dificuldade. O que é o calor, o que é o combustível? Caso o calor seja a natureza do fogo as demais naturezas se tornam combustíveis sendo distintos o calor e os combustíveis. Caso a natureza do fogo seja o combustível, como é possível falar de uma não-identidade? Caso o combustível seja a natureza do fogo ele não pode existir como uma coisa distinta. Assim sendo, permanece a mesma dificuldade. Caso exista o calor e o combustível seria como dizer que o pudgala possui forma, o que implicaria cair na “visão do corpo”. Caso se pressuponha uma multiplicidade de pudgalas seria como pressupor uma diferença entre a lenha e o fogo ou entre o estrume e o fogo. É da mesma forma no que diz respeito ao pudgala. Os agregados de um ser humano são diferentes do pudgala da mesma forma em que os agregados de um deva são diferentes do pudgala. Assim sendo, seriam múltiplos pudgalas. Ou ainda, se partirmos do pressuposto de que o calor e o combustível existem pelos três tempos o pudgala e os agregados também deveriam existir dessa forma. Da mesma forma com que o calor e o combustível são condicionados, os agregados e o pudgala também são condicionados. Ou ainda, você diz que o calor e o combustível não são idênticos nem diferentes sendo diferentes o calor e a percepção do calor. Nesse caso, o pudgala e os agregados também seriam diferentes. Ou ainda, a perda dos agregados se daria sem a perda do pudgala. Por existirem as duas alegrias aquilo que aqui desaparece surgiria do lado de lá. Caso existissem a perda e o surgimento em função dos cinco agregados os mesmos cinco agregados não poderiam ser as duas alegrias. Assim sendo, você discerne a existência do pudgala em função de um pensamento confuso. Que benefício isso pode lhe proporcionar? Ou ainda, entre os objetos não existe nenhum que não seja discernido pelas seis consciências. O pudgala a que você se refere poderia assim ser conhecido pelas seis consciências sem ser um objeto. Ou ainda, não sendo incluído nas doze entradas ele não poderia ser reconhecido como uma entrada. Não podendo ser abarcado pelas Quatro Nobres Verdades ele não faria parte dessas verdades. Assim sendo, afirmar a existência do pudgala é produto de um pensamento confuso. Ou ainda, é ensinado em seu dharma que os dharmas cognoscíveis pertencem a cinco categorias que são os dharmas passados, os dharmas futuros, os dharmas presentes, os dharmas incondicionados e os dharmas inexpressáveis. Afirmo aqui que a quinta dessas categorias é claramente distinta das outras quatro. Caso você queira fazer com que ela se torne diferente das outras quatro não poderia existir essa quinta. Assim sendo, sua visão é improcedente. Caso se afirme a existência do pudgala isso seria um erro. Que necessidade existe de conceber o pudgala em função desses pensamentos confusos? Assim sendo, sua afirmação anterior de que os caminhos externos concebem um ātman distinto dos agregados não faz sentido. Ou ainda, você disse anteriormente que a visão do pudgala como uma existência nominal deve ser considerada com profundidade, mas essa asserção é improcedente. Por que razão? No Buddhadharma se fala da verdade convencional e não de consideração profunda. Ou ainda, você se refere a uma visão marcada por um pensamento incorreto. É da mesma forma a respeito dessa questão. Ou ainda, se você quer dizer que não devemos ensinar o verdadeiro sentido dos sūtras devo dizer que ele implica na verdade rigorosa. Ou ainda, se você diz que devemos ensinar de acordo com as convenções mundanas que todas as existências são criações de um deus não me é possível aceitar isso. Só existe benefício naquilo que não difere do verdadeiro sentido. Só acolhendo esse sentido estaremos livres de erro. Caso possam ser suscitados méritos e benefícios a partir da verdade convencional devemos acolhê-los e ensinar posteriormente a partir de um ponto de vista mais amplo. Ou ainda, quando você diz que não existiria demérito em matar uma vaca de barro sou obrigado a replicar agora. Existindo consciência na continuidade da atividade dos agregados existe evidentemente o karma e sua retribuição. Na vaca de barro não existe nada disso. Assim sendo, devemos saber que o pudgala é um nome da síntese dos cinco agregados não existindo verdadeiramente.